quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Estes seres engraçados e seus rituais de primavera


Recebi o texto abaixo do meu amigo, e brincalhonista inveterado, Daniel Rodrigues. Ele mandou tudo isso em forma de scraps no Orkut no dia do meu aniversário. Trata-se de um verdadeiro tratado sobre essa coisa realmente estranha: a comemoração de mais um ano de sobrevivência nesse mundo redondo-levemente-achatado-nos-pólos-semi-derretidos-por-nós. Eu nem queria postar nesse blog. Queria ver esse texto no excelente "Seres Humanos São Engraçados", página que o tal fanfarrão possui e abandonou aos macacos. Mas como hoje o cara completa seus (esperados?) 24 anos de vida (ui!), deixo com vocês seu tratado antropológico:

Sr. 05, o senhor sabe que eu não poderia deixar passar em branco um dia como esse, né senhor 05? Mas ao invés de mandar um scrap convencional dizendo: "Parabéns, tudo de bom, felicidades, você merece", quero convidá-lo a instigar...

Quando nós, formas de vida baseadas em carbono, conquistamos o direito de comemorar um "aniversário"? Quando nós conquistamos essa tradição de se dar parabéns a alguém, no dia do ano que essa pessoa passou mais um ano viva?

Talvez, em uma certa fase de nossa evolução, tenhamos conseguido conquistar o direito do topo da cadeia alimentar e tivéssemos mais tempo livre para inventar certas "tradições". Ao mesmo tempo, ainda era de certa proeza que um indivíduo passasse mais anos sem ser morto em uma guerra tribal ou devorado por um tigre-dentes-de-sabre. Pensava-se:


- Cara!... Você tá aqui mais um ano, hein? Você merece uma canção.


Pode parecer boçal em nosso ponto de vista, mas numa época em que a taxa de mortalidade girava em torno dos 30 anos, alguem atingir 26 era algo respeitável.
Nascia então a tradição do parabéns... ... da canção... ... da alegria.. ... e é claro, das palmas, maneira herdada desde nossos mais antigos ancestrais (talvez até de épocas em que éramos "irracionais"), de expressarmos contentamento e aprovação, simplesmente pelo som produzido pelo choque das carnes da palma de nossas mãos.

Tempos depois, quando já nos fixáramos em terras agrícolas, tivemos a chance de brincar com nossa necessidade instintual de comer. Já não comíamos mais apenas para saciar a fome, mas também pelo nascimento de uma nova arte, a culinária. O que nos leva a certa ocasião perdida no tempo, numa certa preparação de pães. O "cozinheiro", entediado, pensou:


"O que aconteceria se eu colocasse morangos esmagados nesse pão? E se eu colocasse mais frutas? E se eu metesse logo um BOLO de coisas aí?"


Sim! Nasce o bolo, uma invenção diferente e até chamativa para a época. Talvez até injustiçada, pelo fato de que não recebera tamanha atenção, e hoje em dia suas origens sejam desconhecidas.


O bolo era algo novo. Mas, convenhamos, não era nada demais. Numa época em que nada existia e tudo podia ser inventado, um doce feito de massa e confeito merecia, no máximo, um "É...legal...". Para dizer a verdade, muitos até não gostavam dele, e preferiam arremessá-lo para ouvir o barulho que faziam.

Como já dito, não "comíamos" mais apenas por comer.
Certo dia, na celebração tradicional do aniversário de alguém, o indivíduo aniversariante se achou no direito de arremessá-lo na cara de um terceiro, de sua escolha. Afinal, ele atingira 27 e merecia esse direito, no qual todos concordaram. A moda da brincadeira pegou e, logo, em toda a região, o custume era imitado. Até que, certo dia, um aniversário foi comemorado durante a noite. Nessa época a noite não era muito bem vista. Ainda possuíamos o hábito de nos recolhermos assim aque as luzes que nos protegiam fossem embora (hábito que se dissiparia ao longo da evolução).

Mas, naquela ocasião, o indivíduo passara dia inteiro trabalhando nas plantações...
O indivíduo em questão completaria 40 anos. Era visto como um ancião. Seu aniversário não poderia ser ignorado. Pacientemente, as pessoas do povoado o esperaram. Ele só retornou à noite.

Tudo bem.

Acendeu-se uma vela. Cantaram sua canção. Ele fez um pedido (hábito que começou-se a desenvolver, quando passamos a pensar a longo prazo e a crer em forças maiores, mesmo que pagãs. Um exemplo: quendo queríamos que a colheita fosse boa, especialmente em nosso aniversário).
Mas, antes de jogar o bolo na pessoa de sua escolha, ele percebeu que não havia realmente ninguém que ele desejasse lambrecar, então teve a seguinte idéia:

"Vou soprar o fogo da vela e atirar no escuro."
Todos prenderam o fôlego, esperando que ele apagasse a vela.

Ele sopra... tudo escurece... ploft!


Em meio às gargalhadas, alguém resolve provar o grude em sua face... não era tão ruim... só precisava de um pouco de açúcar...
Diante de novas descobertas e incorporações, o aniversário sobreviveu ao longo das gerações. O banquete, a comilança, a alegria, os entes queridos, a festa em si... tudo está presente em um dia de nossa vida, que chega a parecer uma entidade psicológica real, ou um dia realmente especial.

Hoje, devido à preocupação de evitar certas confusões, que começaram a ser um certo problema no período pré-idade-media, o bolo não é mais arremessado na cara de alguém, mas sim, comido de verdade, afinal, não é tão ruim - só precisa de um pouco de açúcar.

Daniel Rodrigues