sexta-feira, 28 de março de 2008

Um desabafo sobre política e a tal mania de sermos simplórios (atualizado dia 21/01/2009)

Foi com agradável surpresa que hoje li um importante discurso do senador e pré-candidato democrata à presidência dos EUA, Barack Obama. Pronunciado dia 18 de março, na Filadélfia, trata com despudorada honestidade da questão racial. A declaração surgiu após uma polêmica envolvendo o pastor da Igreja que Obama frequenta, o reverendo Jeremiah Wright, que afirmou em alguns de seus sermões que os Estados Unidos são um país fundamentalmente racista. Disse também que os negros deveriam dizer "Deus amaldiçoe a América" em invés da tradicional fala nacionalista, "Deus abençoe a América".

Como já era de se esperar, as declarações do líder religioso foram amplamente exploradas pelos adversários do senador na corrida à Casa Branca, que procuraram associa-lo às inflamadas pregações de Wright.

Agora, talvez você se pergunte: porque acho este discurso de Obama tão importante? Porque, sem apelar para uma ideologia partidária rasa, o pré-candidato analisa a questão do preconceito contra as minorias de uma forma sensata e auto-reflexiva. Algo diferente do que estamos acostumados a presenciar habitualmente na política. Ou seja: sem se apegar aos estereótipos, velhas mágoas ou reducionismos históricos.

Caramba, isso é tão diferente do que vemos, todo santo dia, sem trégua, aqui no Brasil!

Estou cansado de presenciar o velho discurso materialista-histórico da esquerda, que reduz tudo à eterna e segregacionista luta de determinados grupos contra o "capital". E também estou farto desta dita "direita" tupiniquim, de raciocínio tão simplório, que só procura soluções e alianças fáceis.

Engraçado notar a tendência que impede ambos os grupos de ampliar um pouco mais o horizonte de seus discursos, reavaliar posições e desenvolver um raciocínio mais refinado: trata-se da mania de desqualificar o adversário, pelo simples fato dele pensar diferente.

É tragicômico ver os debates políticos, seja no plenário, nas faculdades ou nos fóruns de internet, serem reduzidas, no final das contas, a ofensas idiotas como “aliado do sistema”, “burguês”, “vagabundo”, “baderneiro”... A lista de clichês é maior do que um episódio da Turma do Didi.

Olha: eu sei lá se o Obama conseguiria colocar em prática pelo menos 10% de sua política de integração nacional para os EUA. Como brasileiro, também não concluí qual candidato seria mais favorável à política internacional referente à nossa nação: Barack, Hillary ou John McCain.
O que importa pra mim neste discurso não é especificamente um posicionamento político. Eu postaria mesmo se fosse de algum texto obscuro de um orador desconhecido. A questão é que que ele traduz uma atitude política que me importa: não se apegar às fórmulas mágicas de gestão, lidar de forma sensata com as diferenças de pensamento, não deixar que sua posição (intelectual, emocional, social) o torne um conformista. Enfim, me fez lembrar que uma democracia de verdade não se constrói em cima de velhos clichês e preconceitos, mas com empenho de todos os setores da sociedade.


Link: texto do discurso, traduzido para o português

Nota posterior (21/01/09):

Revisitando:

Voltei neste post quase 1 ano depois, e um dia após a posse de Obama, pra conferir se meu texto tinha deixado alguma possível interpretação favorável ao então candidato. Ao meu ver, acho que fui claro ao dizer que o que me atraiu no discurso foi a reflexão sobre a questão racial e a importante conclusão de que a história não deve ser reduzida a algo simplório e facilmente inteligível.

Mesmo assim, hoje reconheço uma grande ingenuidade na análise realizada. O porquê é simples: como Obama poderia frequentar por vinte anos a referida igreja, que sempre contou com o mesmo pastor, e não ter consentido ou concordado com seus discursos?

Se antes minha opinião particular era neutra, posteriormente cheguei à conclusão de que McCain seria um melhor candidato que Barack Obama. O que não me impede a continuar admirando as qualidades retóricas do agora presidente democrata, algo que creio, ainda será objeto de muitos estudos em comunicação social, principalmente na área da publicidade e propaganda. Fica a torcida para que os EUA se dêem bem, pois o país é referência fundamental não só para a economia mundial, mas para a democracia como um todo.

Enfim, certamente poucas pessoas lerão este adendo, mas queria deixar claro meu posicionamento.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Obituário: Capitão América... e o "Sonho Americano"?

Uma Guerra sem Capitão
Neste mês, as bancas brasileiras receberam um dos acontecimentos mais impactantes dos quadrinhos atuais: a morte do Capitão América, publicada aqui pela Panini Comics na revista Os Novos Vingadores # 49.

A derradeira aventura de um dos maiores ícones da Marvel Comics é conseqüência da saga Guerra Civil, maior evento editorial da “Casa das Idéias” nesta década. A história principal foi contada em uma minissérie de sete partes, escrita por Mark Millar e desenhada por Steve McNiven. Os títulos mensais, por sua vez, mostravam a repercussão dos fatos para a vida particular de cada herói ou equipe.

A trama de Guerra Civil gira em torno da criação, nos Estados Unidos, da Lei de Registro de Super-Humanos. O ato obriga todos os humanos com superpoderes a se cadastrarem junto ao governo, sendo obrigados a revelar sua identidade secreta e encaminharem-se para um programa de treinamento, a fim de exercerem funções em órgãos de segurança oficiais.

Tomando uma conotação bastante política, a história divide os heróis em grupos contra e a favor da nova lei. Tony Stark, o Homem de Ferro, encabeça os apoiadores do registro. O Capitão América, por sua vez, lidera a resistência contra o ato, entrando para a clandestinidade.

... e um Capitão sem guerra
Se você não é muito ligado em quadrinhos ou não os acompanha ultimamente, pode ter estranhado uma coisa no parágrafo anterior. Afinal, porque raios o Capitão América, vulgo bandeiroso, herói e ícone máximo da nação estadunidense, resistiria a um ato pela “lei e pela ordem”? Pior ainda: virando um clandestino, fora-da-lei, persona non grata, most-wanted!?!

Eis onde resiste a mágica da excelente safra de histórias recentes do Capitão. O aclamado escritor Ed Brubaker (Demolidor; Gotham City Contra o Crime) conseguiu imprimir uma inédita profundidade à saga de Steve Rogers. Em suas mãos, o bandeiroso é sim, uma figura icônica, representante do tão falado (e pouco discutido) sonho americano. O grande questionamento, porém, se dá quando o herói é perseguido por um dilema: como ser um soldado fiel a seu país, se uma política adotada de repente em seu país parece flertar com o totalitarismo e ir contra os próprios ideais sobre os quais a nação foi fundada? O Capitão deve servir ao governo que jurou obedecer ou aos ideais de democracia e liberdade que ultrapassam esta ou aquela gestão, compondo o próprio imaginário de seu povo?

Ah! E tem um mais um detalhe. Muito importante, aliás. É que a tais dúvidas soma-se um fato inegável, decisivo: o Capitão América é um anacronismo.

[Atualização: Memo - Origem - Durante a Segunda Guerra Mundial, o jovem recruta Steve Rogers se voluntariou como cobaia para um experimento do Exército: o Soro do Supersoldado. A substância transformou o franzino rapaz na mais perfeita máquina de combate dos EUA: o Capitão América. Depois de ajudar os aliados a vencer o conflito, o Capitão dedicou-se a combater o crime, até o dia em que desapareceu em missão e foi dado como morto. Nos dias atuais, Steve foi encontrado congelado, em animação suspensa, e reanimado pela super-equipe Os Vingadores, ao lado da qual combate o crime].
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Um soldado da Segunda Guerra Mundial, que de repente se vê no caos globalizado contemporâneo. Para ele, nunca foi tão difícil escolher quais decisões tomar. Isso porque Steve sabe que as implicações de seus atos podem gerar inúmeras e diferenciadas conseqüências. Para o mundo e para sua consciência.

Steve Rogers representa uma época em que, para um jovem idealista americano, era mais fácil decidir que rumo tomar na vida. Afinal, de um lado ele possuía toda a ideologia de aparente liberdade individual e democracia que criara sua identidade, enquanto no outro front o nazismo se apresentava como um sinistro inimigo a ser combatido.

O totalitarismo do Reich despersonificava o povo, que era nada mais que um instrumento do personagem maior, o Estado. Neste contexto era fácil, para um soldado aliado, enxergar no inimigo como algo pouco além de uma personificação do mal, cujo rosto praticamente confundia-se com o de Adolf Hitler.

Por todos esses motivos, percebe-se que tanto a trama de Guerra Civil quanto do título-solo do herói são desenvolvidas de tal maneira que o desfecho apresenta-se como uma das poucas, senão a única, solução plausível.

"A Morte do Sonho"

Este é o representativo título da história, cujo principal acontecimento é narrado logo na primeira parte. Nada de supervilões, monstros gigantes ou clones descontrolados. O Capitão América tomba indefeso, vítima de uma covardia desproporcional ao heroísmo que se espera anteceder à morte de um guerreiro. Agoniza nas escadarias de um tribunal de Nova York, diante das câmeras da TV. Tosco? Só se você espera "mais do mesmo" nas histórias de super-heróis, ou seja: pancadaria irracional, corpos anabolizados, roteiro raso. Não é o que se vê aqui. Pelo bem da nona arte.

Brubaker opta por uma história focada nos personagens secundários. As lembranças de cada um e a visão do público, sob a perspectiva do jornalismo, marcam a trama. A arte de Steve Epting, soberba, imprime seriedade e verossimilhança à narrativa, cujo impacto visual é marcante.

Enfim, "A Morte do Sonho - Parte Um" foi uma surpresa muito bem-vinda. Eu, que estava há um bom tempo sem acompanhar as séries mensais de heróis, não imaginava que encontraria um sopro de criatividade e qualidade justamente no Capitão América. Digo isso, porque é destes personagens que o pessoal dito politizado adora odiar (stazunids, indústria cultural e tal). Mas, no final das contas, representa valores autênticos e talvez careça somente de boas idéias e novas contextualizações.

Os Novos Vingadores # 49
Apresentando:
"A Morte do Sonho - Parte Um"
Roteiro: Ed Brubaker
Arte: Steve Epting
R$ 7,50

E mais: Novos Vingadores, Illuminatti e Miss Marvel (legaizinhas também, mas nem estou a fim de falar...)